Metade

Encerrei uma curta série de divagações sobre a saudade com um pequeno e singelo conto de acesso exclusivo a assinantes deste site. A música ali mencionada, porém, embora já amplamente conhecida por pessoas da minha geração, merece ser sempre relembrada ou apresentada aos mais jovens, cujos referenciais de arte musical e literária são, infelizmente, cada vez mais pobres. Em qualquer idade, é sempre um bálsamo para a alma saber que a beleza, embora cada vez mais rara, ainda existe!

MÚSICA PELOS MEUS OUVIDOS

♪ METADE
Oswaldo Montenegro
[Oswaldo Montenegro]

No meu ínfimo conhecimento sobre música e literatura, artes das quais me alimento apenas enquanto ouvinte e leitora, entendo as canções como poemas musicados em que versos e melodias se fundem em uma perfeita simbiose. Mas em Metade a poesia rouba a cena. Ao invés de cantar, Oswaldo Montenegro declama – embaladas por um instrumental suave, mas imbuídas de toda a força de sua voz de menestrel – algumas das palavras que melhor definem quem eu sou: “metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é silêncio / metade de mim é partida, mas a outra metade é saudade / que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor; apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos porque metade de mim é o que ouço, mas a outra metade é o que calo / que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu [não sei se] mereço e que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada porque metade de mim é o que penso, mas a outra metade é um vulcão / que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável / metade de mim é a lembrança do que fui; a outra metade, eu não sei / que não seja preciso mais do que uma simples alegria pra me fazer aquietar o espírito / metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço / que a arte nos aponte uma resposta / e que a minha loucura seja perdoada porque metade de mim é amor e a outra metade…” Bem, o complemento deste último verso é uma das poucas partes desta belíssima composição, talvez a única, que não consigo tomar para mim, pois receio que minha outra metade não seja tão nobre quanto à do poeta. Todos os dias, minhas imperfeições escancaram bem à minha frente o quanto meus pensamentos, atitudes e sentimentos estão ainda longe, muito longe, de ser o que deveriam ser. Sigo revolvendo minhas metades e ansiando ardentemente que todas minhas loucuras sejam perdoadas.

[faixa #6 na playlist Musings N’ Music Soundtrack]


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