Sem que eu tivesse jamais planejado, sequer desejado, a vida acabou me levando a morar, até o presente momento, em seis diferentes cidades – três no país onde nasci; três fora dele. Para espíritos mais desbravadores, habitar meia dúzia de pontos no mapa mundial pode soar como uma grande aventura. Na minha idade, em que o tempo parece passar mais rapidamente, tanta mudança cansa e confesso que, a essa altura, gostaria de já ter me estabelecido em um lugar para chamar de meu, onde as raízes pudessem se aprofundar no solo sem maiores preocupações com grandes intempéries. No último sábado, no entanto, uma nova contagem regressiva começou. Em um ano, finco meus pés de volta na terra que me gerou e formou quem sou, sem saber se para ficar de vez ou apenas para mais uma parada no caminho que me levará ao destino que um dia, enfim, haverá de me ver murchar. Por certo, tenho apenas o incerto. Consola-me lembrar que aonde quer que eu vá, há, sim, um lugar que sempre será o meu mais sólido, inabalável e eterno lar.
Apesar de simples e breves, as linhas abaixo significam muito para mim. Inspiradas por um dos seres humanos mais incríveis que já tive o privilégio, a honra e a bênção de conhecer, estas foram as primeiras palavras que consegui rabiscar depois que comecei a atravessar uma das fases mais tenebrosas da minha existência. A caminhada está só começando, mas ter sua companhia traz tons encantadoramente alaranjados aos mais cinzentos dos meus dias. ♡
Meu Lugar*
“Nos seus momentos de turbulências, você tinha um lugar para ir que fosse como um refúgio, um lugar onde você pudesse descansar um pouco, um lugar onde se sentisse aconchegada, segura, protegida, em paz?”
[Talvez você queira parar um instante para encontrar sua própria resposta antes de continuar lendo.]
No universo das pessoas “normais”, essa questão provavelmente as leva a pensar em um lugar físico. No contexto da conversa que eu estava tendo, era evidente que eu deveria falar sobre um lugar físico. Como ser o que quer que seja considerado “normal” nunca foi o meu forte, aquelas palavras imediatamente me trouxeram à mente um pensamento que eu simplesmente não pude evitar, uma percepção que meu coração sempre soube: a música sempre foi, é e sempre será meu refúgio, meu descanso, meu aconchego, minha segurança, minha proteção, minha paz. Em outras palavras, a música é o meu lugar, o meu lar!
Embora presumivelmente incomum, esta foi uma das respostas mais rápidas e fáceis que já dei. Mais do que isso, apesar de não ser dada a mentiras e superficialidades, não consigo colocar em palavras o nível de verdade, profundidade, precisão e honestidade contido nesta afirmação. Reconheço que sou, de fato, dada a pensar demais. Estou sempre desejando poder voltar no tempo e mudar o que fiz, reformular o que disse, mas esta é uma ocasião excepcional em que não mudaria uma palavra. Não há outro lugar onde eu preferiria estar. Não há lugar melhor onde eu pudesse morar. A música é o meu lar!
♪ PURPLE RAIN
Dolly Parton [Prince]
Tendo apenas começado a atravessar o que serão os tempos mais terríveis de toda a minha vida, nas raras oportunidades que tive de simplesmente respirar um pouco durante os últimos dias, tenho sido confortada, aquecida e reanimada por este clássico do rock brilhantemente regravado por um lenda viva da música country. No final dos anos 90, quando, mais do que uma trilha sonora óbvia para a maioria dos fãs de rock, essa música começou a fazer parte da minha vida e a moldar a mulher que eu estava começando a ser, ela ficou gravada na minha memória como uma das músicas mais sensuais que já ouvi. Hoje, ressignificada e redimensionada pelo inesgotável talento de Dolly Parton, Purple Rain é agora um lar.
[faixa #2 na playlist Musings N’ Music Soundtrack]
*Publicado originalmente em 5 de abril de 2024 no (agora inativo) perfil Musings N’ Music no Medium.